sábado, 23 de junho de 2007

Mais sobre eles

Abelardo e Heloísa, em Père-La-Chaise
"Fujo para longe de ti, evitando-te como a um inimigo,
mas incessantemente te procuro em meu pensamento.
Trago tua imagem em minha memória e assim me traio e contradigo,
eu te odeio, eu te amo."
Carta de Abelardo a Heloísa

"É certo que quanto maior é a causa da dor,
maior se faz a necessidade de para ela encontrar consolo,
e este ninguém pode me dar, além de ti.
Tu és a causa de minha pena, e só tu podes me proporcionar conforto.
Só tu tens o poder de me entristecer, de me fazer feliz ou trazer consolo."
Carta de Heloísa a Abelardo

Retrato de um amor

Abelardo e Heloísa


É um túmulo de mármore branco, no cemitério Père-la-Chaise, em Paris. Sob a proteção de um docel rendilhado, também de mármore, eles se encontram em sua forma definitiva, modelados pela memória, pela noite, pelo desejo.

Deitados um ao lado do outro, em vestes mortuárias, sem se tocarem, rostos voltados para os céus, mãos cruzadas sobre o peito, sem desejo: assim um escultor os esculpiu, obediente à forma como a tradição religiosa imobilizou os mortos. Mas se a escolha fosse deles, a escultura seria outra: O Beijo, de Rodin, seus corpos nus abraçados. E as palavras gravadas seriam as de Drummond:

O Amor é primo da morte, e da morte vencedor, por mais que o matem (e matem) a cada instante de amor.

Assim é o túmulo de Abelardo e Heloísa: amaram de forma apaixonada e impossível, irremediavelmente separados um do outro pela vida, na esperança de que a morte os ajuntasse, eternamente.

O amor feliz não vira literatura ou arte. Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, As Pontes de Madison, Love Story – o amor comovente é o amor ferido. Diz Octavio Paz que “as coisas e palavras sangram pela mesma ferida”. Mas o amor feliz não é ferida. Como poderiam, então, dele sangrar palavras? O amor feliz não é para ser cantado. É para ser gozado. O amor feliz não fala; ele faz. Se escrevo sobre Abelardo e Heloísa é porque sua história é uma ferida na minha própria carne. Heloísa tinha 17 anos. Abelardo, 38. Vinte e um anos os separavam. O amor ignora os abismos do tempo.

Abelardo (1079-1142) era apelidado de “pássaro errante”. Intelectual fulgurante, figura central das discussões filosóficas em Paris, motivo de invejas, ódios e paixões. Assim Heloísa o descreve, numa carta para ele mesmo: “Que reis, que filósofos tiveram renome igual ao teu? Que país, que cidade, que aldeia não se mostrava impaciente em te ver? Aparecias em público? Todos se precipitavam para te ver. Partias? Todos te procuravam seguir com seus olhos ávidos. Que esposa, virgem, não se terá abrasado por ti em tua ausência e incendiado em tua presença? Possuías, sobretudo, duas qualidades capazes de conquistar todas as mulheres: o encanto das palavras e a beleza da voz. Não creio que outro filósofo as tenha possuído em tão alto grau”.

Heloísa, jovem adolescente dotada de raras qualidades intelectuais, vivia em Paris, na casa de seu tio. Esse, desejoso de lhe dar a melhor educação, contratou Abelardo como seu tutor intelectual. Mas as lições de filosofia duraram pouco. Logo os dois estavam perdidamente apaixonados. E Abelardo, filósofo de rigor lógico incomparável, se transformou em poeta. Heloísa tomou conta do seu pensamento e do seu corpo e, a partir de então, segundo ele mesmo confessa, nele só se encontravam “versos de amor e nada dos segredos da filosofia”.

O tio, ao descobrir o que acontecia em sua casa, sentiu-se enganado e se enfureceu. Interrompeu as “lições” e proibiu que eles se vissem de novo. Inutilmente. A distância não apaga, ela acende o amor. E o próprio Abelardo comenta: “A separação dos corpos levou ao máximo a união dos nossos corações e, porque não era satisfeita, nossa paixão se inflamou cada vez mais”.


Mas Heloísa ficou grávida. Abelardo resolveu raptá-la e levá-la para um lugar distante. De noite, retira-a da casa do tio e a leva para a casa da irmã dele, em Palet, distante 400 quilômetros de Paris. É lá que nasce o filho do seu amor. Casam-se secretamente no dia 30 de julho daquele ano.

Mas, para o tio de Heloísa, o acontecido exigia vingança. Planeja, então, a pior de todas as vinganças possíveis. Contrata um bando de marginais que invadem a casa de Abelardo e o castram. Pensava ele que, assim, colocaria um fim àquele amor. Inutilmente. Continuaram a se amar pelo resto de suas vidas com o poder da memória e da saudade – até que a morte os unisse eternamente. Como no filme As Pontes de Madison. Só que, no filme, o instrumento de castração não foi o ódio de alguém, mas o amor piedoso por alguém.

Abelardo morreu aos 63 anos, em 1142. Heloísa, ao saber disso, exige para si a posse de “seu homem”. Na verdade, era isso que Abelardo havia-lhe pedido. “Quando eu morrer”, ele lhe escreveu, “peço-te que procures transportar o meu corpo para o cemitério da tua abadia...”. E Heloísa ordenou que, uma vez morte, seu corpo fosse enterrado no túmulo de seu marido. O que aconteceu 21 anos depois.

Conta-se que, ao ser levada para o túmulo, quando o caixão de Abelardo foi aberto, ele abriu os braços e a abraçou. Dizem outros, ao contrário, que foi Heloísa que abriu os seus, para abraçá-lo. É possível. Talvez o amor de Heloísa tenha sido mais puro e mais intenso. Abelardo conhecera o amor de muitas e o amor à filosofia. Heloísa, ao contrário, conheceu apenas o amor por Abelardo. Diz um de seus biógrafos: “Para Heloísa, não há senão dois acontecimentos em sua vida: o dia em que soube que era amada por Abelardo e o dia em que o perdeu. Tudo o mais desaparece a seus olhos numa noite profunda”. Ainda hoje, decorridos quase 900 anos, os namorados visitam aquele túmulo. Talvez para suplicar a Deus que eles estejam abraçados eternamente, como em O Beijo, de Rodin. Talvez para pedir que nos seja dada a felicidade de viver um amor como aquele, mas sem ter de viver a sua dor.

O amor feliz, sem literatura, sem fama, sem que ninguém conheça. Basta-nos a felicidade aliteraria do amor feinho, como a Adélia Prado o batizou carinhosamente. Estou certo de que era isso que Abelardo e Heloísa teriam desejado.

(Rubem Alves, em Retratos de Amor, 99-103)

quinta-feira, 7 de junho de 2007

"O amor vence. Sempre"

Diálogo entre Mitch e Morrie:

Procuro na livraria do campus os títulos constantes da lista passada por Morrie. Compro livros que nunca suspeitei que existissem, tais como Juventude: identidade e Crise, Eu e você, O ser dividido. Antes da faculdade, eu não sabia que o estudo das relações humanas podia ser considerado matéria acadêmica. Antes de conhecer Morrie, não acreditava que pudesse. Mas o amor dele pelos livros é autêntico e contagioso. Passamos a discutir assuntos sérios depois da aula, quando a sala está vazia. Ele me indaga sobre a minha vida, cita passagens de Erich Fromm, Martin Buber, Erik Erikson. Às vezes, concorda com eles, mas acrescentando a sua opinião sem negar a concordância. É nessas ocasiões que percebo que ele é mesmo um professor, não um tio. Uma tarde me queixo do choque entre o que a sociedade espera de mim e o que eu quero para mim.
- Que foi que eu lhe disse sobre a tensão dos opostos?- ele pergunta.
- Tensão dos opostos?
- A vida é uma série de paixões para frente e para trás. Queremos fazer uma coisa, mas somos forçados a fazer outra. Algumas coisas nos machucam, apesar de sabermos que não deviam. Aceitamos certas coisas como inquestionáveis, mesmo sabendo que não devemos aceitar nada como absoluto. Tensão de opostos, como o estiramento de uma tira de borracha. A maioria de nós vive mais ou menos no meio.
- Parece luta-livre – pondero.
- Luta-livre – ele repete, e ri – É. Pode-se definir a vida dessa forma.
- E que lado vence? – pergunto.
- Que lado vence?
Ele sorri para mim, os olhos enrugados, os dentes tortos.
- O amor vence. Sempre
.”

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Por que exigir diploma do jornalista profissional?

Que respostas podemos dar à indagação sobre os motivos de se exigir que o profissional de Jornalismo seja formado por uma faculdade? Digamos, desde logo, que a faculdade não vai “fazer” um jornalista. Ela não lhe dá técnica se não houver aptidão, que denominamos de vocação. A questão é mais séria e mais conseqüente. A faculdade, além das técnicas de trabalho, permite ao aluno a experiência de uma reflexão teórica e, principalmente, ética.

Não achamos absurdo que um médico deva fazer uma faculdade. É que vamos a ele entregar o nosso corpo, se necessário, para que ele corte, interfira dentro de seu funcionamento, etc. Contudo, por vezes discutimos se existe necessidade de faculdade para a formação do jornalista, e nos esquecemos que ele faz uma intervenção muito mais radical sobre a comunidade, porque ele interfere, com seus artigos, suas informações e suas opiniões, diretamente dentro de nosso cérebro.

Acho que, pelo aspecto de cotidianidade que assumiu o Jornalismo, a maioria das pessoas esquece que o Jornalismo não é uma prática natural. O Jornalismo é uma prática cultural, que não reflete a realidade, mas cria realidades, as chamadas representações sociais que interferem diretamente na formulação de nossas imagens sobre a realidade, em nossos valores, em nossos costumes e nossos hábitos, em nossa maneira de ver o mundo e de nos relacionar com os demais.

A função do Jornalismo, assim, é, socialmente, uma função extremamente importante e, dada a sua cotidianidade, até mais importante que a da medicina, pois, se não estamos doentes, em geral não temos necessidade de um médico, mas nossa necessidade de Jornalismo é constante, faz parte de nossas ações mais simples e, ao mesmo tempo mais decisivas, como conhecer valores das bolsas de Nova York ou de Chicago, se trabalhamos com finanças ou com a produção agrícola; precisamos conhecer o que pensam e fazem nossos governantes, para podermos decidir sobre as atividades de nossa empresa; ou devemos buscar no Jornalismo a informação a respeito do comportamento do tempo, nas próximas horas, para decidirmos como sair de casa, quando plantar, ou se manter determinada programação festiva.

Buscamos o jornalismo para consultar sobre uma sessão de cinema, sobre farmácias abertas em um feriadão, mas também para conhecermos a opinião de determinadas lideranças públicas a respeito de determinado tema, etc.

Tudo isso envolve a tecnologia e a técnica, o nível das aptidões, capacidades e domínio de rotinas de produção de um resultado final, que é a notícia.

Mas há coisas mais importantes: um bom jornalista precisa ter uma ampla visão de mundo, um conjunto imenso de informações, uma determinada sensibilidade para os acontecimentos e, sobretudo, o sentimento de responsabilidade diante da tarefa que realiza, diretamente dirigida aos outros, mais do que a si mesmo.

Quando discuto com meus alunos a respeito da responsabilidade que eu, como profissional e professor tenho, na sua formação, resumo tudo dizendo: não quero depender de um aluno, transformado em jornalista profissional, que eventualmente eu não tenha preparado corretamente para a sua função. A faculdade nos ajuda, justamente, a capacitar o profissional quanto às conseqüências de suas ações. Mais que isso, dá ao jornalista, a responsabilidade de sua profissionalização, o que o leva a melhor compreender o sentido da tarefa social que realiza e, por isso mesmo, desenvolver não apenas um espírito de corpo, traduzido na associação, genericamente falando, e na sindicalização, mais especificamente, mas um sentimento de co-participação social, tarefa política (não partidária) das mais significativas.

Faça-se uma pergunta aos juízes do STF a quem compete agora julgar a questão, mais uma vez, questão que não deveria nem mais estar em discussão: eles gostariam, de ser mal informados? Eles gostariam de não ter acesso a um conjunto de informações que, muitas vezes, são por eles buscadas até mesmo para bem decidirem sobre uma causa que lhes é apresentada através dos autos de um processo? E eles gostariam de consultar uma fonte, sempre desconfiando dela?

Porque a responsabilidade do jornalista reside neste tensionamento que caracteriza o Jornalismo contemporâneo de nossa sociedade capitalista: transformada em objeto de consumo, traduzido enquanto um produto que é vendido, comercializado e industrializado, a notícia está muito mais dependente da responsabilidade do profissional da informação, que é o jornalista, do que da própria empresa jornalística que tem, nela, a necessidade do lucro. Assim sendo, é da consciência aprofundada e conscientizada do jornalista quanto a seu trabalho, que depende a boa informação. E tal posicionamento só se adquire nos bancos escolares, no debate aberto, no confronto de idéias, no debate sério e conseqüente que se desenvolve na faculdade.

Eis, em rápidos traços, alguns dos motivos pelos quais é fundamental que se continue a exigir a formação acadêmica para o jornalista profissional. A academia não vai fazer um jornalista, mas vai, certamente, diminuir significativamente, a existência de maus profissionais que transformam a informação, traduzida na notícia, em simples mercadoria.

* Antonio Hohlfeldt, jornalista profissional, integrante da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul, professor da Pós-Graduação e da Graduação da Faculdade de Comunicação Social da PUCRS

sexta-feira, 16 de março de 2007

Carta anônima

Por Caio Fernando Abreu

"Tenho trabalhado tanto, mas penso sempre em você. Mais de tardezinha que de manhã, mais naqueles dias que parecem poeira assentada aos poucos e com mais força enquanto a noite avança. Não são pensamentos escuros, embora noturnos. Tão transparentes que até parecem de vidro, vidro tão fino que, quando penso mais forte, parece que vai ficar assim clack! e quebrar em cacos, o pensamento que penso de você. Se não dormisse cedo nem estivesse quase sempre cansado, acho que esses pensamentos quase doeriam e fariam clack! de madrugada e eu me veria catando cacos de vidro entre os lençóis. Brilham, na palma da minha mão. Num deles, tem uma borboleta de asa rasgada. Noutro, um barco confundido com a linha do horizonte, onde também tem uma ilha. Não, não: acho que a ilha mora num caquinho só dela. Noutro, um punhal de jade. Coisas assim, algumas ferem, mesmo essas que são bonitas. Parecem filme, livro, quadro. Não doem porque não ameaçam. Nada que eu penso de você ameaça. Durmo cedo, nunca quebra.

Daí penso coisas bobas quando, sentado na janela do ônibus, depois de trabalhar o dia inteiro, encosto a cabeça na vidraça, deixo a paisagem correr, e penso demais em você. Quando não encontro lugar para sentar, o que é mais freqüente, e me deixava irritado, descobri um jeito engraçado de, mesmo assim, continuar pensando em você. Me seguro naquela barra de ferro, olho através das janelas que, nessa posição, só deixam ver metade do corpo das pessoas pelas calçadas, e procuro nos pés daquelas aqueles que poderiam ser os seus. (A teus pés, lembro.). E fico tão embalado que chego a me curvar, certo que são mesmo os seus pés parados em alguma parada, alguma esquina. Nunca vejo você - seria, seriam? Boas e bobas, são as coisas todas que penso quando penso em você. Assim: de repente ao dobrar uma esquina dou de cara com você que me prega um susto de mentirinha como aqueles que as crianças pregam umas nas outras. Finjo que me assusto, você me abraça e vamos tomar um sorvete, suco de abacaxi com hortelã ou comer salada de frutas em qualquer lugar. Assim: estou pensando em você e o telefone toca e corta o meu pensamento e do outro lado do fio você me diz: estou pensando tanto em você. Digo eu também, mas não sei o que falamos em seguida porque ficamos meio encabulados, a gente tem muito pudor de parecer ridículos melosos piegas bregas românticos pueris banais. Mas no que eu penso, penso também que somos meio tudo isso, não tem jeito, é tudo que vamos dizendo, quando falamos no meu pensamento, é frágil como a voz de Olívia Byington cantando Villa-Lobos, mais perto de Mozart que de Wagner, mais Chagal que Van Gogh, mais Jarmush que Win Wenders, mais Cecília Meireles que Nelson Rodrigues.

Tenho trabalhado tanto, por isso mesmo talvez ando pensando assim em você. Brotam espaços azuis quando penso. No meu pensamento, você nunca me critica por eu ser um pouco tolo, meio melodramático, e penso então tule nuvem castelo seda perfume brisa turquesa vime. E deito a cabeça no seu colo ou você deita a cabeça no meu, tanto faz, e ficamos tanto tempo assim que a terra treme e vulcões explodem e pestes se alastram e nós nem percebemos, no umbigo do universo. Você toca minha mão, eu toco na sua.

Demora tanto que só depois de passarem três mil dias consigo olhar bem dentro dos seus olhos e é então feito mergulhar numas águas verdes tão cristalinas que têm algas na superfície ressaltadas contra a areia branca do fundo. Aqualouco, encontro pérolas. Sei que é meio idiota, mas gosto de pensar desse jeito, e se estou em pé no ônibus solto um pouco as mãos daquela barra de ferro para meu corpo balançar como se estivesse a bordo de um navio ou de você. Fecho os olhos, faz tanto bem, você não sabe. Suspiro tanto quando penso em você, chorar só choro às vezes, e é tão freqüente. Caminho mais devagar, certo que na próxima esquina, quem sabe. Não tenho tido muito tempo ultimamente, mas penso tanto em você que na hora de dormir vezemquando até sorrio e fico passando a ponta do meu dedo no lóbulo da sua orelha e repito repito em voz baixa te amo tanto dorme com os anjos. Mas depois sou eu quem dorme e sonha, sonho com os anjos. Nuvens, espaços azuis, pérolas no fundo do mar. Clack! como se fosse verdade, um beijo."
(O Estado de S. Paulo, 16/03/88)

quinta-feira, 15 de março de 2007

Longe dos olhos

O que é?
Tem no ar algo de frio
Que inverno não é.

O que é?
Esta noite os meninos na rua
Não brincam mais.

Não sei por que
A alegria dos amigos de sempre não me diverte mais.
Um me disse que:

"longe dos olhos, longe do coração".
E tu estás longe,
Longe de mim.

Para um que volta
E te leva uma rosa
Mil se esqueceram de ti.

"longe dos olhos, longe do coração".
E tu estás longe,
Longe de mim.

Agora sei, o que é este amargo sabor
Que fica de ti, quando tu
Estás distante e não sei onde estás, o que fazes, onde vais.

E sei porque não consigo mais imaginar
O sorriso que tem nos olhos teus
Quando não estás comigo.

"longe dos olhos, longe do coração".
E tu estás longe,
Longe de mim.

Aquecimento é bom para a floresta

Para geógrafo Aziz Ab'Sáber, estudos não consideram a importância das correntes marítimas

Há 6.000 anos, condições climáticas que permitiram a "tropicalização" do Brasil se pareciam com as criadas pelas mudanças globais

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

Atento aos estudos sobre os impactos das mudanças climáticas globais, o geógrafo Aziz Ab'Sáber, 83, concorda com a tese de que o homem está aquecendo o planeta. Mas, quando o assunto é o impacto da nova realidade climática nos biomas brasileiros, a tese do pesquisador contraria as previsões recentes dos cientistas.
"A tendência no caso das matas atlânticas e da Amazônia é que elas cresçam e não que sejam reduzidas", disse o pesquisador, em entrevista à Folha.
Para ele, a região conhecida como mata atlântica na verdade é formada por três biomas: as matas, o planalto das araucárias e as pradarias mistas, que ocorrem apenas no Sul.
O geógrafo afirma ser impossível o fato de um estudo apresentado no Rio de Janeiro no início da semana ter previsto que o aquecimento global poderá reduzir em até 60% a mata atlântica brasileira.
Para Ab'Sáber, muitos cientistas estão esquecendo de considerar as correntes marítimas brasileiras. "Elas vão continuar mais ou menos como hoje."
Se isso ocorrer, explica Ab'Sáber, o chamado ótimo climático, registrado entre 5.000 e 6.000 anos atrás, vai se repetir, não de causa natural, mas por causa antrópica.
"Quem não conhece o conceito de ótimo climático vai inverter a situação. Há 6.000 anos, a umidade mais alta nos mares foi fundamental para manter as florestas atlânticas."
Para Ab"Sáber, as causas que permitiram a "retropicalização" do Brasil depois do último período de glaciação serão apenas reforçadas agora.
"As correntes marítimas de água quente, na atualidade, migram até o sul do Brasil a partir da região equatorial. Desconsiderar isso implica errar tudo". Além disso, segundo o geógrafo, é preciso que as pessoas "leiam o passado". Principalmente no intervalo de tempo que começou há 11 mil anos.
"É preciso saber que, quando o mar esteve 95 metros mais baixo do que é hoje, no último período de glaciação, a corrente fria que nós chamamos das Malvinas (ou de Falklands também, para não brigar com os cartógrafos), vinha até além da Bahia. Ela não deixava passar os ventos úmidos para dentro do continente. Climas frios se estabeleceram. Ela era uma barragem para penetração de ventos marítimos", ressalta.
Segundo Ab'Sáber, o fenômeno era a semelhante ao que ocorre hoje na costa do Pacífico, entre o Chile e o Peru. "Lá a corrente é fria e toda a região costeira é semidesértica."
Com o aumento do nível do mar -entre 5.000 e 6.000 anos ele esteve três metros acima do que está hoje-, a corrente quente chegou ao sul do Brasil, onde ainda está hoje.
"Ela levou consigo uma umidade que permitiu a formação de florestas costeiras até perto de Porto Alegre, que seguiu depois pela serra Gaúcha desde a cidade de Taquara até além da cidade de Santa Maria."
No caso da Amazônia, principalmente na região oriental, as previsões dos cientistas, segundo o professor da USP, também estão erradas. "Todos falaram que a floresta vai diminuir e ganhar cerrado. O aquecimento global não vai destruir floresta. No máximo, vai haver uma nova delimitação nos bordos da Amazônia. Novos minibiomas vão entrar, até pode ser o cerrado. É certo que vamos continuar com grandes florestas a oeste, porque o regime de chuvas não será muito alterado."
Uma concordância com a maior parte dos estudos. Para o geógrafo da USP é realmente preciso ter cuidado com as zonas litorâneas, porque o mar de fato vai subir.
(Folha de São Paulo, 15/03/2007, Ciência)

Se as coisas estão assim...

Relembro destas palavras
Que você me disse
Num dia de outubro
Esquecido pelo sol.

Se as coisas estão assim...
Palavras como veneno.
Começava a cair a chuva,
Entre nós caiu o silêncio.

Se as coisas estão assim...
E você não quis terminar.
O outubro tornou-se mais frio,
Entre nós nada mais a dizer.

terça-feira, 13 de março de 2007

Ela não soube amar...


Maria C
lara Pitol*

Morava em uma casa antiga, com o amarelo dos muros ainda mais amarelado pelo tempo, a tintura descascada, as árvores quase mortas, as folhas caídas pelo quintal denunciavam o descaso da dona da casa pelo seu lar, a porta de madeira era antiga, não havia campainha, quem chegasse deveria bater palmas para anunciar que estava ali. Mas quem chegaria? Ninguém nunca ia visitá-la, nunca havia se casado, não tinha irmãos, os pais faleceram em um acidente, perdera os amigos com o tempo, a distância e as mudanças da vida. Assim, nem o correio por lá passava, afinal quem não tem família ou amigos também não tem de quem receber cartas.

Sua única companheira era a solidão. Mentira, a saudade também a acompanhava. Recordações, lembranças, momentos guardados em cartas, registrados em fotos, eternizados em palavras, presentes, livros, discos e quadros. Tudo naquela casa era passado. Porque Alice só sabia viver no passado, do que havia sido sua vida, de quem amara, de quem perdera tão de repente, de tudo o que já sabia o final, sim, Alice gostava do previsível, do palpável, de planejamentos e acertos.

Alice nunca gostou de sonhar, sempre teve medo de tirar os pés do chão, ir parar lá nas nuvens, e de repente cair. Ela foi uma criança medrosa, não se arriscava em nenhum brinquedo, não sujava as roupas, lavava as mãos, obedecia a mãe, o pai, a professora, e agüentou todas as dores no dentista sem reclamar, comia legumes, só bebia refrigerante aos fins de semana e fazia todos os deveres de casa. Alice também foi uma adolescente comportada, quase não respondia os pais, sentava na primeira carteira, tirava as melhores notas, tinha poucos amigos, não gostava de festas, nem de beber, e era tão tímida, foi a última entre as amigas a beijar, e morria de vergonha.

Gostava calada de um garoto, Vinícius, popular, rebelde, bonito, o pior aluno da sala, mas cheio de carisma, sabia conquistar, convencer e dominar. Nunca fora correspondida, aliás, ele nunca soube da paixão secreta que ela nutria por ele. Talvez nem saiba quem foi Alice, talvez nunca tenha reparado naquela garota loirinha, magrinha e quieta, escondida atrás de um par de óculos, um uniforme e as bochechas pintadas.

Quando saiu do segundo grau ingressou direto em uma Universidade, onde continuou sendo a melhor aluna da sala, tirando as melhores notas, não tendo amigos e não gostando de ser o que era. Alice era sozinha, sempre fora sozinha, e que triste. A solidão lhe consumira a alma, a transformara numa mulher fechada, perdida, cheia de mágoas, de medos e tristezas. Ela até queria mudar, mas não sabia como, não conseguia traçar um caminho diferente, não tinha idéia de como arriscar, nem coragem.

Conheceu Lúcio, um rapaz nem bonito nem feio, nem triste nem alegre, nem popular nem quieto, nem alto nem baixo, nem magro nem gordo, e se apaixonou. Uma paixão comum por um homem comum, e que coisa boa! Existe sentimento mais sincero do que aquele mais simples e mais comum? É paixão que brota da alma, nasce de um olhar, de uma força invisível, de gestos, vontades, palavras, enfim, simplesmente vem. É claro que Alice teve medo, mas naquele momento ela viu sua chance de mudar, de fazer de sua vida algo significante, de transformar sua rotina em prazer, de sentir ao menos uma vez na vida felicidade. E assim foi.

Juntos viveram os melhores dias, e os piores também, se amaram, se desejaram, se completaram... Também se odiaram, se perderam, se acharam. Foi um ano imprevisível, o único ano em que Alice soube aproveitar, e conseguiu ser feliz.

Mas um dia, Alice acordou e teve medo, sentiu que havia perdido o controle, sentiu-se sozinha, teve dúvidas e fugiu.
Fugiu pra bem longe, para uma cidade pequenina, onde comprou uma bela casa pintada de amarela, com um lindo jardim, com flores e frutos. Mobiliou todo o seu novo lar com móveis novos, e objetos antigos, com fotografias e alguns quadros, vasos, porta-retratos, castiçais, vitrola e discos. No seu quarto sobre a escrivaninha uma caixa com cartas, bilhetes, cartões e saudades.

Nunca mais ela saiu de lá, nunca mais soube viver. Alice também não soube amar, o amor a impediu , estranho não? Para ela nem tanto, amor para Alice era sofrimento, e disso ela soube fugir, e voltou ao que sempre foi: sozinha.

Sozinha no mundo, na sua própria casa, no seu mundo. Há pessoas que nascem para serem sós, e Alice foi uma delas.

Corroída pelo tempo, pelo descaso que teve com ele, pela falta de histórias, vivências e oportunidades, Alice acabou ali. Poderia ser em tantos outros lugares, mas não, ela parou naquela poltrona marrom, no canto de uma sala escura, de uma casa envelhecida, no meio de seu vazio.

*Maria Clara Pitol (1984) é paulistana e cursa o quarto ano de Jornalismo na Universidade Metodista de São Paulo.
(outros textos de novos escritores podem ser encontrados no site www.releituras.com)

sexta-feira, 9 de março de 2007

Lulus do LBA

Oi, pessoal. Essas são as lulus do Programa LBA. A foto foi feita durante o café-da-manhã especial pelo Dia Internacional da Mulher. Da esquerada para a direita: Daniela, Roberta, Carol, Márcia, Eu, Sandra, Jaqueline, Bárbara, Shirley, Lívia, Erika Ruth e Luciana; Joana e Gerla mais atrás (quase escondidas); e Fernanda, Adriana, Joice, Isabel e Nete (as mais "altas");

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Jornal argentino alerta sobre a destruição da Amazônia

Clarín afirma que a derrubada de árvores contribui com oaquecimento global e reconhece que o governo do Brasil tenta freardesmatamento, mas sem êxito

Marina Guimarães

BUENOS AIRES - A destruição do Amazonas é destaque do jornalargentino Clarín, que publica uma série sobre o assunto desdedomingo. Na edição desta segunda-feira, o jornal destaca em sua capa que"o pulmão verde do planeta corre perigo", diante de uma"destruição sem piedade". O jornal narra que "fazendeirose garimpeiros já desflorestaram 550 mil quilômetros quadrados, quase duasvezes a província de Buenos Aires".
Em reportagem que ocupa duas páginas, o Clarín critica duramenteos garimpeiros que "só pensam em se tornarem ricos" e a"expansão descontrolada das atividades agropecuárias".
O jornal justifica que as denúncias sobre a destruição da região"não são reclamações de ecologistas exagerados, como costumavaqualificar com desdém o presidente George Bush aos que, há alguns anos,faziam advertências sobre o aquecimento global". O Clarínressalta que "a devastação do Amazonas traz efeitos concretos ealarmantes".
"Não só desaparecem umas 50 mil espécies por ano. A derrubada deárvores contribui enormemente com o aquecimento global, os especialistasestimam que 40% do oxigênio produzido na terra provêm das selvastropicais e a amazônica é a mais extensa, e isso já se sente aqui eagora. Em nossas praias, em nossos campos e em todo o mundo. O governo doBrasil tenta frear a derrubada de árvores sem êxito. Como puderamcomprovar nossos enviados o Amazonas parece terra de ninguém. Mas seufuturo nos afeta a todos", conclui.

Mais informações: http://www.estadao.com.br/ciencia/noticias/2007/fev/05/92.htm

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Homenagem

Dez anos sem Darcy
Por José Ribamar Bessa Freire*


Há dez anos, em pleno carnaval, morria no Hospital Sara Kubitschek, em Brasília, o senador Darcy Ribeiro, antropólogo e mulherólogo, criador e reformador de universidades, amigo dos índios, apaixonado pelo Brasil. Ele não teve a morte gloriosa com a qual sonhara, como falou meio-sério, meio-brincando: “Quero morrer aos 99 anos, com um tiro no peito, disparado por um marido traído”. Morreu aos 74 anos, sem poder escolher a arma, vítima de outra traição.
Darcy faz uma falta danada. O Brasil certamente estaria melhor e mais divertido se ele estivesse entre nós, com seu espírito irreverente e desabusado, com sua fantasia sem limites, com sua inteligência audaciosa e sua capacidade de pensar. Dez anos após, aproveito para relembrar a crônica na qual comentei seu projeto para a Amazônia e sua relação com Berta Ribeiro.

A bunda do câncer

Darcy escreveu os seus “Diários Índios” em 1949, “como uma carta a minha mulher, Berta, que era minha amada”. Mas só os publicou, como livro, um ano antes de morrer, em 1996, quando deu informações, no prefácio que redigiu, sobre o calibre do disparo que o acertou, a ele e a Berta:

“Então, no tempo deste diário, éramos jovens ou apenas maduros. Envelhecemos depois, uma pena. Saltamos já a barreira dos setenta. Ao fim, fomos atingidos por dois tiros: o câncer. Estamos ambos lutando, cada qual contra o seu. O de Berta a pegou na cabeça, justamente na área da fala. Não pôde ser extirpado, porque ela perderia a memória e o ser. Viraria um vegetal em coma perpétuo. Mas agüenta bem. Voltamos até a namorar, depois de vinte anos de separação. Eu a beijo na boca e prometo casar de novo com ela”.

Tive a satisfação de conhecê-los no exílio, quando não haviam completado ainda 50 anos. No final de 1969, Darcy passou por Santiago do Chile. Queria uma entrevista com Salvador Allende, presidente do Senado e candidato a presidente da República. Thiago de Melo, amigo dos dois, intermediou o convite para um almoço na casa do próprio Allende. Peguei carona e participei daquele encontro entre “cachorros grandes”.
Depois, já no Peru, trabalhei num projeto da Reforma Educativa do governo Velasco Alvarado, inspirado por Darcy Ribeiro. Eram ações desescolarizadas, realizadas em Villa El Salvador, uma das maiores favelas da América Latina. A partir daí, convivi um pouco mais de perto, sobretudo com Berta, que continuou a mesma luta travada por Darcy contra o câncer, morrendo exatamente nove meses depois, em 17 de novembro de 1997.
Darcy nos deixou no dia 17 de fevereiro, mas combateu o bom combate até o fim. Saiu pro pau com o câncer, desfazendo aquele clima de tragédia com que esta doença costuma envolver suas vítimas, humilhando-as, como bem observou o jornalista Zuenir Ventura: “Com um estoicismo cheio de humor, ele dessolenizou o câncer, tirou-lhe aquela gravidade homicida, brincou com ele, gozou-o, debochou e de certa maneira desmoralizou-o. Passou a mão na bunda do câncer, como ele diria. Depois de Darcy, o câncer não será o mesmo, não terá a mesma arrogância”.
Darcy e Berta, juntos ou individualmente, nos legaram uma obra vital para a compreensão da Amazônia. Ele, mais exuberante, com maior penetração na mídia, acabou ficando mais conhecido. Nos “Diários Índios”, pede ao leitor não estranhar “a quantidade de palavras que você talvez desconheça, porque são do vocabulário que descreve a floresta amazônica. Isso é muito bom, porque você irá aprendendo a ser amazônida também”. Mineiro de nascimento, o próprio Darcy aprendeu com os índios - e nos ensinou - os mistérios da Amazônia.

O Projeto Caboclo

Sua última intervenção no Senado foi justamente a elaboração do “Projeto Caboclo” para a ocupação da região. Preocupado com os estudos e simulações em computador que apontavam o prazo final da destruição da floresta amazônica até o ano 2.050, caso sejam mantidas as condições de exploração, Darcy propõe como alternativa o uso da sabedoria milenar dos índios.
Ele constatou que foram os índios que “deram à nossa civilização a fórmula de sobrevivência nos trópicos. Nos transmitiram inventos adaptativos que desenvolveram em milhares de anos e que se cristalizaram nas formas de caça, de pesca e, sobretudo, de lavoura. Eles cultivavam, habitualmente, em suas roças, umas quarenta plantas que são até hoje o sustento básico de nosso povo, como é o caso da mandioca, do milho, do amendoim, dos feijões e de muitas outras plantas”.
O “Projeto Caboclo”, baseado no conhecimento que se tem sobre as formas tradicionais de vida de comunidades amazônicas, pretende desenvolver experimentos que possam servir para comprovar que é possível a ocupação permanente e ecologicamente equilibrada da Amazônia.
A contribuição de Berta Ribeiro, menos badalada, é, no entanto, de extrema importância e até mesmo mais significativa para algumas áreas. Berta, como uma formiguinha, reuniu os conhecimentos mais avançados existentes sobre a floresta tropical e organizou a exposição “Amazônia Urgente - Cinco séculos de História e Ecologia”, que recebeu o Prêmio Nacional de Ecologia de 1989.
Neste mesmo ano, publicou, em belíssima edição bilíngüe, o seu “Arte Indígena, Linguagem Visual”, onde mostra como toda atividade indígena está impregnada de senso estético, exemplificando com a produção artística de muitos grupos da Amazônia.. Produziu ainda o “Dicionário do Artesanato Indígena”, muito útil para os pesquisadores, porque oferece informações práticas necessárias para o manejo e o estudo dos objetos encontrados nas aldeias e recolhidos aos museus.
A região do alto Rio Negro foi visitada várias vezes e estudada com especial carinho por Berta Ribeiro. Ela reconheceu a importância da preservação da mitologia Dessana e, junto com o padre Casemiro Beksta, organizou a sua publicação, apresentando-nos dois intelectuais indígenas: Firmiano e Luiz Gomes Lana.
Ela é ainda autora, entre outros trabalhos, de “Diário do Xingu”, “Artes Indígenas da Amazônia”, “O índio na cultura brasileira” e um sem número de artigos publicados em revistas especializadas, além de organizadora de outros tantos, cabendo destacar os três volumes da “Suma Etnológica”. Qualquer homenagem a Darcy Ribeiro não pode ignorar sua parceira de tantas viagens pelo mundo do conhecimento e da vida.
(Publicado originalmente no jornal Diário do Amazonas, 04/02/2007 )

* José Ribamar Bessa Freire é jornalista, professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas.

Jornal argentino alerta sobre a destruição da Amazônia

Clarín afirma que a derrubada de árvores contribui com oaquecimento global e reconhece que o governo do Brasil tenta freardesmatamento, mas sem êxito

Marina Guimarães

BUENOS AIRES - A destruição do Amazonas é destaque do jornalargentino Clarín, que publica uma série sobre o assunto desdedomingo. Na edição desta segunda-feira, o jornal destaca em sua capa que"o pulmão verde do planeta corre perigo", diante de uma"destruição sem piedade". O jornal narra que "fazendeirose garimpeiros já desflorestaram 550 mil quilômetros quadrados, quase duasvezes a província de Buenos Aires".
Em reportagem que ocupa duas páginas, o Clarín critica duramenteos garimpeiros que "só pensam em se tornarem ricos" e a"expansão descontrolada das atividades agropecuárias".
O jornal justifica que as denúncias sobre a destruição da região"não são reclamações de ecologistas exagerados, como costumavaqualificar com desdém o presidente George Bush aos que, há alguns anos,faziam advertências sobre o aquecimento global". O Clarínressalta que "a devastação do Amazonas traz efeitos concretos ealarmantes".
"Não só desaparecem umas 50 mil espécies por ano. A derrubada deárvores contribui enormemente com o aquecimento global, os especialistasestimam que 40% do oxigênio produzido na terra provêm das selvastropicais e a amazônica é a mais extensa, e isso já se sente aqui eagora. Em nossas praias, em nossos campos e em todo o mundo. O governo doBrasil tenta frear a derrubada de árvores sem êxito. Como puderamcomprovar nossos enviados o Amazonas parece terra de ninguém. Mas seufuturo nos afeta a todos", conclui.

Mais informações: http://www.estadao.com.br/ciencia/noticias/2007/fev/05/92.htm

Amazônia sob dois fogos

O que será do Brasil com o aquecimento da atmosfera?
Por Marcelo Leite*

Quando esta coluna chegar às bancas, já será conhecida de todos a parte cientificamente mais relevante do novo relatório de avaliação do quarto IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), abreviado para AR4. O AR4 prevê que a atmosfera se aquecerá mais ou menos 3C neste século.
Isso é uma enormidade, acredite. Mas o que acontecerá no Brasil? O que será das matas do quarto maior emissor de gases que agravam o efeito estufa, por queimar florestas e não tanto combustíveis fósseis?
Esse é o tema de uma série de previsões que o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) apresenta neste mês ao Ministério do Meio Ambiente. Algumas já vieram a público, como a de que a temperatura por aqui poderá subir até 4C (e isso levando em conta apenas as simulações do relatório anterior do IPCC, de 2001).
Na Amazônia, existe chance de o aumento beirar 8C, no pior cenário. No Nordeste e no Sul, esquentaria até 4C. No Centro-Oeste e no Sudeste, entre 4C e 6C.
Um dos sub-relatórios do Inpe tenta prever o que acontecerá com os grandes biomas brasileiros (domínios de vegetação) sob as condições projetadas de aquecimento global e regional. A bola de cristal é um programa de computador que os pesquisadores chamam de modelo.
No caso, trata-se de um modelo que simula a vegetação potencial de uma área. Ou seja, a vegetação que se instalaria no lugar se contassem somente fatores como temperatura e chuvas.
Apesar de complexo, o programa não leva em conta condições como o tipo de solo. Ele pode ser decisivo para surgir um encrave de cerrado, por exemplo, em meio a uma floresta (como ocorria originalmente em 14% do Estado de São Paulo).
O modelo desenvolvido por Carlos Nobre e Marcos Oyama é chamado de PVM, e gera mapas de vegetação depois de alimentado com montanhas de dados sobre precipitação e temperatura. Essas variáveis físicas sobre o futuro foram acumuladas a partir de 15 modelos climáticos utilizados nas projeções do IPCC-AR4.
A dezena e meia de programas simuladores não concorda muito quanto ao que acontecerá com as chuvas na Amazônia. Uns apontam que elas vão aumentar. Outros que vão diminuir. A mera elevação da temperatura, contudo, faz com que aumente a evaporação da água retida no solo e também a transpiração das plantas.
Sobra menos água sob a terra para irrigar as raízes, mesmo que haja um aumento da precipitação.
Os mapas futuristas delineiam esse ressecamento geral na forma de uma expansão do cerrado sobre o Pará.
Boa parte do que hoje é floresta amazônica seria substituída por uma vegetação mais seca, aberta e resistente ao fogo (chamada genericamente de savana, fora do Brasil). É o fantasma da "savanização" da Amazônia, que assombra cientistas de vários credos. Isso tudo como resultado apenas do aquecimento global.
Agora acrescente a isso o desmatamento de milhares de quilômetros quadrados todos os anos. Mesmo em queda, ele contribui para ressecar e esquentar fragmentos de floresta entre as áreas arrasadas.
Com isso, o fogo muitas vezes usado para limpar pastagens salta, entra e corre mais fácil pelo chão da mata que um dia já foi quase impossível de queimar sem derrubar.
A vegetação mais adaptada à seca e aos incêndios é o cerrado. Um bioma fenomenal, sob muitos aspectos, mas só malucos se aventurariam a trocar por ele a maior e mais rica floresta do planeta Terra. É fogo.

* MARCELO LEITE é doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, autor do livro paradidático "Pantanal, Mosaico das Águas" (Editora Ática) e responsável pelo blog Ciência em Dia