sexta-feira, 16 de março de 2007

Carta anônima

Por Caio Fernando Abreu

"Tenho trabalhado tanto, mas penso sempre em você. Mais de tardezinha que de manhã, mais naqueles dias que parecem poeira assentada aos poucos e com mais força enquanto a noite avança. Não são pensamentos escuros, embora noturnos. Tão transparentes que até parecem de vidro, vidro tão fino que, quando penso mais forte, parece que vai ficar assim clack! e quebrar em cacos, o pensamento que penso de você. Se não dormisse cedo nem estivesse quase sempre cansado, acho que esses pensamentos quase doeriam e fariam clack! de madrugada e eu me veria catando cacos de vidro entre os lençóis. Brilham, na palma da minha mão. Num deles, tem uma borboleta de asa rasgada. Noutro, um barco confundido com a linha do horizonte, onde também tem uma ilha. Não, não: acho que a ilha mora num caquinho só dela. Noutro, um punhal de jade. Coisas assim, algumas ferem, mesmo essas que são bonitas. Parecem filme, livro, quadro. Não doem porque não ameaçam. Nada que eu penso de você ameaça. Durmo cedo, nunca quebra.

Daí penso coisas bobas quando, sentado na janela do ônibus, depois de trabalhar o dia inteiro, encosto a cabeça na vidraça, deixo a paisagem correr, e penso demais em você. Quando não encontro lugar para sentar, o que é mais freqüente, e me deixava irritado, descobri um jeito engraçado de, mesmo assim, continuar pensando em você. Me seguro naquela barra de ferro, olho através das janelas que, nessa posição, só deixam ver metade do corpo das pessoas pelas calçadas, e procuro nos pés daquelas aqueles que poderiam ser os seus. (A teus pés, lembro.). E fico tão embalado que chego a me curvar, certo que são mesmo os seus pés parados em alguma parada, alguma esquina. Nunca vejo você - seria, seriam? Boas e bobas, são as coisas todas que penso quando penso em você. Assim: de repente ao dobrar uma esquina dou de cara com você que me prega um susto de mentirinha como aqueles que as crianças pregam umas nas outras. Finjo que me assusto, você me abraça e vamos tomar um sorvete, suco de abacaxi com hortelã ou comer salada de frutas em qualquer lugar. Assim: estou pensando em você e o telefone toca e corta o meu pensamento e do outro lado do fio você me diz: estou pensando tanto em você. Digo eu também, mas não sei o que falamos em seguida porque ficamos meio encabulados, a gente tem muito pudor de parecer ridículos melosos piegas bregas românticos pueris banais. Mas no que eu penso, penso também que somos meio tudo isso, não tem jeito, é tudo que vamos dizendo, quando falamos no meu pensamento, é frágil como a voz de Olívia Byington cantando Villa-Lobos, mais perto de Mozart que de Wagner, mais Chagal que Van Gogh, mais Jarmush que Win Wenders, mais Cecília Meireles que Nelson Rodrigues.

Tenho trabalhado tanto, por isso mesmo talvez ando pensando assim em você. Brotam espaços azuis quando penso. No meu pensamento, você nunca me critica por eu ser um pouco tolo, meio melodramático, e penso então tule nuvem castelo seda perfume brisa turquesa vime. E deito a cabeça no seu colo ou você deita a cabeça no meu, tanto faz, e ficamos tanto tempo assim que a terra treme e vulcões explodem e pestes se alastram e nós nem percebemos, no umbigo do universo. Você toca minha mão, eu toco na sua.

Demora tanto que só depois de passarem três mil dias consigo olhar bem dentro dos seus olhos e é então feito mergulhar numas águas verdes tão cristalinas que têm algas na superfície ressaltadas contra a areia branca do fundo. Aqualouco, encontro pérolas. Sei que é meio idiota, mas gosto de pensar desse jeito, e se estou em pé no ônibus solto um pouco as mãos daquela barra de ferro para meu corpo balançar como se estivesse a bordo de um navio ou de você. Fecho os olhos, faz tanto bem, você não sabe. Suspiro tanto quando penso em você, chorar só choro às vezes, e é tão freqüente. Caminho mais devagar, certo que na próxima esquina, quem sabe. Não tenho tido muito tempo ultimamente, mas penso tanto em você que na hora de dormir vezemquando até sorrio e fico passando a ponta do meu dedo no lóbulo da sua orelha e repito repito em voz baixa te amo tanto dorme com os anjos. Mas depois sou eu quem dorme e sonha, sonho com os anjos. Nuvens, espaços azuis, pérolas no fundo do mar. Clack! como se fosse verdade, um beijo."
(O Estado de S. Paulo, 16/03/88)

quinta-feira, 15 de março de 2007

Longe dos olhos

O que é?
Tem no ar algo de frio
Que inverno não é.

O que é?
Esta noite os meninos na rua
Não brincam mais.

Não sei por que
A alegria dos amigos de sempre não me diverte mais.
Um me disse que:

"longe dos olhos, longe do coração".
E tu estás longe,
Longe de mim.

Para um que volta
E te leva uma rosa
Mil se esqueceram de ti.

"longe dos olhos, longe do coração".
E tu estás longe,
Longe de mim.

Agora sei, o que é este amargo sabor
Que fica de ti, quando tu
Estás distante e não sei onde estás, o que fazes, onde vais.

E sei porque não consigo mais imaginar
O sorriso que tem nos olhos teus
Quando não estás comigo.

"longe dos olhos, longe do coração".
E tu estás longe,
Longe de mim.

Aquecimento é bom para a floresta

Para geógrafo Aziz Ab'Sáber, estudos não consideram a importância das correntes marítimas

Há 6.000 anos, condições climáticas que permitiram a "tropicalização" do Brasil se pareciam com as criadas pelas mudanças globais

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

Atento aos estudos sobre os impactos das mudanças climáticas globais, o geógrafo Aziz Ab'Sáber, 83, concorda com a tese de que o homem está aquecendo o planeta. Mas, quando o assunto é o impacto da nova realidade climática nos biomas brasileiros, a tese do pesquisador contraria as previsões recentes dos cientistas.
"A tendência no caso das matas atlânticas e da Amazônia é que elas cresçam e não que sejam reduzidas", disse o pesquisador, em entrevista à Folha.
Para ele, a região conhecida como mata atlântica na verdade é formada por três biomas: as matas, o planalto das araucárias e as pradarias mistas, que ocorrem apenas no Sul.
O geógrafo afirma ser impossível o fato de um estudo apresentado no Rio de Janeiro no início da semana ter previsto que o aquecimento global poderá reduzir em até 60% a mata atlântica brasileira.
Para Ab'Sáber, muitos cientistas estão esquecendo de considerar as correntes marítimas brasileiras. "Elas vão continuar mais ou menos como hoje."
Se isso ocorrer, explica Ab'Sáber, o chamado ótimo climático, registrado entre 5.000 e 6.000 anos atrás, vai se repetir, não de causa natural, mas por causa antrópica.
"Quem não conhece o conceito de ótimo climático vai inverter a situação. Há 6.000 anos, a umidade mais alta nos mares foi fundamental para manter as florestas atlânticas."
Para Ab"Sáber, as causas que permitiram a "retropicalização" do Brasil depois do último período de glaciação serão apenas reforçadas agora.
"As correntes marítimas de água quente, na atualidade, migram até o sul do Brasil a partir da região equatorial. Desconsiderar isso implica errar tudo". Além disso, segundo o geógrafo, é preciso que as pessoas "leiam o passado". Principalmente no intervalo de tempo que começou há 11 mil anos.
"É preciso saber que, quando o mar esteve 95 metros mais baixo do que é hoje, no último período de glaciação, a corrente fria que nós chamamos das Malvinas (ou de Falklands também, para não brigar com os cartógrafos), vinha até além da Bahia. Ela não deixava passar os ventos úmidos para dentro do continente. Climas frios se estabeleceram. Ela era uma barragem para penetração de ventos marítimos", ressalta.
Segundo Ab'Sáber, o fenômeno era a semelhante ao que ocorre hoje na costa do Pacífico, entre o Chile e o Peru. "Lá a corrente é fria e toda a região costeira é semidesértica."
Com o aumento do nível do mar -entre 5.000 e 6.000 anos ele esteve três metros acima do que está hoje-, a corrente quente chegou ao sul do Brasil, onde ainda está hoje.
"Ela levou consigo uma umidade que permitiu a formação de florestas costeiras até perto de Porto Alegre, que seguiu depois pela serra Gaúcha desde a cidade de Taquara até além da cidade de Santa Maria."
No caso da Amazônia, principalmente na região oriental, as previsões dos cientistas, segundo o professor da USP, também estão erradas. "Todos falaram que a floresta vai diminuir e ganhar cerrado. O aquecimento global não vai destruir floresta. No máximo, vai haver uma nova delimitação nos bordos da Amazônia. Novos minibiomas vão entrar, até pode ser o cerrado. É certo que vamos continuar com grandes florestas a oeste, porque o regime de chuvas não será muito alterado."
Uma concordância com a maior parte dos estudos. Para o geógrafo da USP é realmente preciso ter cuidado com as zonas litorâneas, porque o mar de fato vai subir.
(Folha de São Paulo, 15/03/2007, Ciência)

Se as coisas estão assim...

Relembro destas palavras
Que você me disse
Num dia de outubro
Esquecido pelo sol.

Se as coisas estão assim...
Palavras como veneno.
Começava a cair a chuva,
Entre nós caiu o silêncio.

Se as coisas estão assim...
E você não quis terminar.
O outubro tornou-se mais frio,
Entre nós nada mais a dizer.

terça-feira, 13 de março de 2007

Ela não soube amar...


Maria C
lara Pitol*

Morava em uma casa antiga, com o amarelo dos muros ainda mais amarelado pelo tempo, a tintura descascada, as árvores quase mortas, as folhas caídas pelo quintal denunciavam o descaso da dona da casa pelo seu lar, a porta de madeira era antiga, não havia campainha, quem chegasse deveria bater palmas para anunciar que estava ali. Mas quem chegaria? Ninguém nunca ia visitá-la, nunca havia se casado, não tinha irmãos, os pais faleceram em um acidente, perdera os amigos com o tempo, a distância e as mudanças da vida. Assim, nem o correio por lá passava, afinal quem não tem família ou amigos também não tem de quem receber cartas.

Sua única companheira era a solidão. Mentira, a saudade também a acompanhava. Recordações, lembranças, momentos guardados em cartas, registrados em fotos, eternizados em palavras, presentes, livros, discos e quadros. Tudo naquela casa era passado. Porque Alice só sabia viver no passado, do que havia sido sua vida, de quem amara, de quem perdera tão de repente, de tudo o que já sabia o final, sim, Alice gostava do previsível, do palpável, de planejamentos e acertos.

Alice nunca gostou de sonhar, sempre teve medo de tirar os pés do chão, ir parar lá nas nuvens, e de repente cair. Ela foi uma criança medrosa, não se arriscava em nenhum brinquedo, não sujava as roupas, lavava as mãos, obedecia a mãe, o pai, a professora, e agüentou todas as dores no dentista sem reclamar, comia legumes, só bebia refrigerante aos fins de semana e fazia todos os deveres de casa. Alice também foi uma adolescente comportada, quase não respondia os pais, sentava na primeira carteira, tirava as melhores notas, tinha poucos amigos, não gostava de festas, nem de beber, e era tão tímida, foi a última entre as amigas a beijar, e morria de vergonha.

Gostava calada de um garoto, Vinícius, popular, rebelde, bonito, o pior aluno da sala, mas cheio de carisma, sabia conquistar, convencer e dominar. Nunca fora correspondida, aliás, ele nunca soube da paixão secreta que ela nutria por ele. Talvez nem saiba quem foi Alice, talvez nunca tenha reparado naquela garota loirinha, magrinha e quieta, escondida atrás de um par de óculos, um uniforme e as bochechas pintadas.

Quando saiu do segundo grau ingressou direto em uma Universidade, onde continuou sendo a melhor aluna da sala, tirando as melhores notas, não tendo amigos e não gostando de ser o que era. Alice era sozinha, sempre fora sozinha, e que triste. A solidão lhe consumira a alma, a transformara numa mulher fechada, perdida, cheia de mágoas, de medos e tristezas. Ela até queria mudar, mas não sabia como, não conseguia traçar um caminho diferente, não tinha idéia de como arriscar, nem coragem.

Conheceu Lúcio, um rapaz nem bonito nem feio, nem triste nem alegre, nem popular nem quieto, nem alto nem baixo, nem magro nem gordo, e se apaixonou. Uma paixão comum por um homem comum, e que coisa boa! Existe sentimento mais sincero do que aquele mais simples e mais comum? É paixão que brota da alma, nasce de um olhar, de uma força invisível, de gestos, vontades, palavras, enfim, simplesmente vem. É claro que Alice teve medo, mas naquele momento ela viu sua chance de mudar, de fazer de sua vida algo significante, de transformar sua rotina em prazer, de sentir ao menos uma vez na vida felicidade. E assim foi.

Juntos viveram os melhores dias, e os piores também, se amaram, se desejaram, se completaram... Também se odiaram, se perderam, se acharam. Foi um ano imprevisível, o único ano em que Alice soube aproveitar, e conseguiu ser feliz.

Mas um dia, Alice acordou e teve medo, sentiu que havia perdido o controle, sentiu-se sozinha, teve dúvidas e fugiu.
Fugiu pra bem longe, para uma cidade pequenina, onde comprou uma bela casa pintada de amarela, com um lindo jardim, com flores e frutos. Mobiliou todo o seu novo lar com móveis novos, e objetos antigos, com fotografias e alguns quadros, vasos, porta-retratos, castiçais, vitrola e discos. No seu quarto sobre a escrivaninha uma caixa com cartas, bilhetes, cartões e saudades.

Nunca mais ela saiu de lá, nunca mais soube viver. Alice também não soube amar, o amor a impediu , estranho não? Para ela nem tanto, amor para Alice era sofrimento, e disso ela soube fugir, e voltou ao que sempre foi: sozinha.

Sozinha no mundo, na sua própria casa, no seu mundo. Há pessoas que nascem para serem sós, e Alice foi uma delas.

Corroída pelo tempo, pelo descaso que teve com ele, pela falta de histórias, vivências e oportunidades, Alice acabou ali. Poderia ser em tantos outros lugares, mas não, ela parou naquela poltrona marrom, no canto de uma sala escura, de uma casa envelhecida, no meio de seu vazio.

*Maria Clara Pitol (1984) é paulistana e cursa o quarto ano de Jornalismo na Universidade Metodista de São Paulo.
(outros textos de novos escritores podem ser encontrados no site www.releituras.com)

sexta-feira, 9 de março de 2007

Lulus do LBA

Oi, pessoal. Essas são as lulus do Programa LBA. A foto foi feita durante o café-da-manhã especial pelo Dia Internacional da Mulher. Da esquerada para a direita: Daniela, Roberta, Carol, Márcia, Eu, Sandra, Jaqueline, Bárbara, Shirley, Lívia, Erika Ruth e Luciana; Joana e Gerla mais atrás (quase escondidas); e Fernanda, Adriana, Joice, Isabel e Nete (as mais "altas");